quinta-feira

Caravana Agroecológica e Cultural percorrerá regiões de conflitos da Chapada do Apodi.

Famílias agricultoras da Chapada do Apodi acampam na região. | Foto: Site da ANA

Por Jerlândio Moreira
Comunicador popular da ASA
 
A parte da Chapada do Apodi que fica no Rio Grande do Norte – uma das regiões do Brasil cujas famílias agricultoras agroecológicas sofrem pressão para sair de suas terras para que estas sejam ocupadas por uma agricultura não sustentável, à base de agrotóxicos e voltada para a exportação – vai receber a Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi, entre os dias 23 e 26 de outubro, em preparação ao III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA).
Organizações sociais do Território Sertão do Apodi, ligadas à Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), e parceiros locais estão envolvidos na realização da caravana, que percorrerá diversos municípios da região e reunirá cerca de 300 pessoas no Nordeste e de outras regiões do País, além da população dos municípios visitados.
A caravana tem o objetivo de mobilizar organizações e movimentos do território, promovendo o intercâmbio de experiências e fortalecer as redes locais. Além disso, a Caravana rumo ao III ENA torna-se, para a Chapada do Apodi, um espaço de socialização do potencial das experiências agroecológicas e de acusação do modelo do agronegócio, que destrói a autonomia da agricultura camponesa no território.

A Chapada do Apodi é alvo de grandes ameaças em decorrência do Projeto de Perímetro Irrigado do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que vai expulsar mais de seis mil agricultores/as de suas terras para favorecer a implantação de cinco empresas do agronegócio. “Como é triste ver terra sem gente e gente sem terra. Não podemos deixar que este projeto se instale e destrua nossa produção viva em que mulheres e homens convivem bem com a natureza e produzem alimentos limpos de agrotóxico”, destaca Conceição Dantas, representante da Marcha Mundial de Mulheres.
Entre as rotas planejadas para a caravana, uma passará em Limoeiro do Norte, no Ceará, e Ipanguaçu, no Rio Grande do Norte, onde o perímetro irrigado já está implantado. “Não podemos esquecer os que estão sofrendo com o projeto da morte dentro e fora de Apodi”, ressalta o presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de (STTR) de Apodi, Edilson Neto.
As caravanas territoriais em preparação ao III ENA serão realizadas em todas as regiões do País e funcionarão como exercícios de análise coletiva visando contrastar esses padrões opostos de desenvolvimento rural. A previsão é que as caravanas das regiões Amazônia, Sul, Sudeste e Cerrado aconteçam nos meses de outubro e novembro. 
 

Seminário debate modelo de agricultura não sustentável do Projeto da Chapada do Apodi| Foto: Camila Paula/CF8
Programação - A caravana da Chapada do Apodi terá início no município de Mossoró, onde será realizada a abertura oficial do evento, com momentos culturais, discussão política e apresentação dos cronogramas das quatro rotas. O encerramento será no acampamento Edivan Pinto, no município de Apodi, onde estão acampadas mais de mil famílias em resistência ao Perímetro Irrigado da Chapada. Na ocasião, estão previstas apresentações de teatros, de contadores de história e outros artistas, e danças regionais. Haverá distribuição de material informativo, conversas com as comunidades, visitas à propriedades agroecológicas e aos grandes projetos do agronegócio. Rodas de capoeira, samba, debates e visitas a parques ecológicos também estão na programação.
ENA - O Encontro Nacional de Agroecologia, previsto para 2014, é um momento de culminância do processo de mobilização dos agricultores e organizações que trabalham na promoção da agroecologia em todo o Brasil. Celebração, troca de experiências, apresentação para a sociedade e governos das inquietações e propostas do movimento agroecológico fazem parte do encontro.
O I ENA ocorreu em 2002, no Rio de Janeiro, e serviu para mapear as experiências que estavam espalhadas pelo Brasil. Em 2006, o II ENA foi realizado no Recife, onde houve a consolidação e apresentação das propostas que a ANA tem para que as políticas públicas incorporem o enfoque agroecológico. O III ENA tem como pauta principal evidenciar para a sociedade que a agroecologia é importante para a produção de alimentos saudáveis, preservação da água, das florestas e para a valorização da agricultura familiar e trabalho digno no campo.

quarta-feira

Monocultivo e veneno ameaçam Chapada do Apodi, no RN.

Por Tiago Carvalho*
Da Repórter Brasil


Nas gravações de “Chapada do Apodi – morte e vida”, conhecemos José Holanda. Agricultor sem terra, durante 12 anos, foi peão na fazenda Boca da Mata, no alto da Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte. Ganhava muito pouco, comprava na bodega do fazendeiro, não podia criar animais e, de tempos em tempos, pulverizava com agrotóxico uma lavoura de algodão, usando nas costas uma bomba que acabava derramando veneno em seu corpo. Em 1997, ele e os companheiros que trabalhavam naquela fazenda se organizaram para ocupá-la e exigir sua desapropriação para a reforma agrária. Conseguiram: a antiga fazenda Boca da Mata é hoje o Assentamento Moaci Lucena.
Clique aqui e assista o vídeo.

Em 2013, 15 anos depois do que José chama de “o nascimento de uma nova vida”, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) quer implementar nesta porção potiguar da chapada, que fica na divisa entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, um projeto de irrigação que pretende levar água para o alto da serra.

A pior seca dos últimos 50 anos não meteu medo nos 6 mil agricultores familiares que vivem em Moaci Lucena e em dezenas de outras comunidades desse pedaço do Rio Grande do Norte. Seguiram produzindo polpa de frutas, mel, hortaliças e criando pequenos animais para o consumo dos centros urbanos próximos e das próprias famílias, graças às tecnologias de convivência com o semiárido de que se apropriaram e desenvolveram.

Veneno

Mas o projeto de irrigação do DNOCS, esse sim, tem lhes tirado o sono. O projeto prevê o monocultivo de cacau e uva no sertão potiguar, com uso intensivo de agrotóxicos – inclusive com a temida pulverização aérea, que, com sua potência e imprecisão, acerta seus alvos e tudo o mais que está em volta – e foi elaborado sem qualquer participação das comunidades que há tempos vivem e produzem naquele território. Comunidades inteiras deverão ser desalojadas. Para quem conviveu com veneno e pobreza por anos a fio e hoje vive com autonomia, saúde e dinheiro no bolso, isto é um retrocesso escandaloso.

As promessas desse tipo de projeto são bem conhecidas desses agricultores. Não muito longe dali, no fim dos anos 1980, o mesmo DNOCS emplacou um projeto de irrigação no lado cearense da Chapada do Apodi. A área irrigada, que alcança os municípios de Limoeiro do Norte, Quixeré e Russas, foi ocupada por cinco grandes empresas de fruticultura, desestruturando a produção de milhares de pequenos agricultores.

Nessas três cidades, a incidência de câncer é 38% maior do que em cidades com população semelhante, mas que não estão expostas a tanto veneno. No bairro da Cidade Alta, em Limoeiro, onde vivem muitos dos trabalhadores da fruticultura irrigada, não é preciso ir longe pra ouvir histórias de intoxicação aguda. Ali, há três anos, o líder comunitário Zé Maria do Tomé foi assassinado por denunciar a contaminação por agrotóxicos dos canais de irrigação que servem tanto às lavouras quanto às comunidades. O gerente de uma das empresas fruticultoras é acusado de ser o mandante do crime.

A violência, o envenenamento, o uso irresponsável dos recursos naturais, a desestruturação de cadeias produtivas e o desaparecimento de saberes construídos na luta pela terra e na convivência harmônica com o meio ambiente parecem ser o preço a pagar por esse modelo de desenvolvimento que “mata uns de fome e outros de barriga cheia”, como diz José Holanda. Mas nem os trabalhadores rurais de Limoeiro do Norte, explorados e intoxicados, nem os agricultores da chapada potiguar, ameaçados, se dão por vencidos.

É o que sentimos nas filmagens, na convivência com os trabalhadores da fruticultura que defendem a dignidade possível com humor e solidariedade com os companheiros, enquanto buscam novas alternativas de vida e profissão. É o que está em toda parte em Moaci Lucena: no bebê de Zé Holanda, nas crianças sabidas e sadias, nos quintais produtivos, no rebanho de bodes que espera o fim da estiagem pra voltar a se multiplicar. O que está em disputa na Chapada do Apodi é nada a menos do que o direito à saúde, que separa a vida da morte.
*Tiago Carvalho é diretor do documentário “Chapada do Apodi – morte e vida”.
CHAPADA DO APODI, MORTE E VIDA from AGROECOLOGIA on Vimeo.